4 de novembro de 2010

Kafka, Gregor e seus Amigos




(Diálogo baseado no livro "A Metamorfose" de Franz Kafka, no qual Gregor Samsa é o protagonista)



O filho, Gregor Samsa, acordou naquele dia completamente atordoado, cansado, mergulhado numa crise existencial de quilômetros abaixo. Seu estado exigiu da família a contratação de um psicanalista domiciliar. Sim, Samsa aclopou-se no seu quarto escuro, como um pinto que se protege nas cascas finas do ovo, não permitindo deslocar-se para outro local.
O pai, Kafka, ouviu do amigo psicanalista de olhar profundo e barba bem aparada: __ “as exigências da sociedade tornaram o viver dificílimo para a maioria das criaturas humanas, forçando-as com isso a se afastarem da realidade e dando origem às neuroses.”*¹
Samsa encontrava-se, naquela manhã, submerso num ego fragilizado, procurando na cama, nos lençóis, na cômoda, um refúgio. Sua mente o atordoava lentamente, como uma metamorfose longa, minuciosa e dolorosa. Sua angustia endurecia-lhe os músculos, deixando-os tensos como a casca da barata que sentia-se ser.
Braun, o poeta, amigo íntimo de Kafka, que estava ali para apoiar o velho companheiro, disse com uma risadinha, a fim de descontrair o ambiente: _ velho amigo, “para uma emoção barata, um inseticida.”*²
Freud, o psicanalista sério, ostentou:__ o estado proíbe ao indivíduo a prática de atos infratores, não porque deseje aboli-lo, mas sim porque quer monopolizá-lo.”*³ E veja só, caro poeta, até o inseticida está proibido.
Atordoado com a metamorfose do filho, o Sr. K. via dolorosamente as pernas finas realçarem a dificuldade de Samsa equilibra-se. Seu corpo anestesiado pelo medo estonteante fazia-o cair e arrastar-se pelo chão, como o animal a que se igualara nos intermédios do seu id. Diante tal cenário, o pai K. virou-se para os amigos com ar desesperançoso remetendo-lhes uma sentença sua: _ somos iguais aos troncos das árvores na neve. Aparentemente elas descascam com todo seu garbo,e um ligeiro empurrão bastaria para fazê-las rolar. Não, isto não pode acontecer pois estão firmemente agarradas ao solo. Mas veja, até isto é apenas aparência.”*4
Samsa, meus amigos, estava aparentemente bem, mas sua mente já havia perdido as raízes a tempos. Não percebi tal acontecimento, disse o pai desalento.
O psicanalista com a intenção de acalmar o amigo e tira-lhe a culpa de uma fragilidade paterna que fizera-se incapaz de enxergar o abismo a que o filho atirava-se e entregava-se aos poucos, disse com tom voraz: _ “ a atividade profissional constitui fonte de satisfação especial se for livremente escolhida, isto é, se por meio de sublimação tornar possível o uso de inclinações existentes de impulsos instintivos persistentes ou constitucionalmente reforçados.No entanto, como caminho para a felicidade, o trabalho não é altamente prezado pelos homens. Não se esforçam em relação a ele como o fazem em relação a outras possibilidades de satisfação. A grande maioria das pessoas só trabalha sobre pressão da necessidade, e essa natural aversão humana ao trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis.”*5
O poeta disse olhando para o nada:

Ela
bateu a porta
dizendo
que dessa vez
ia para never more
e eu nem sei
onde fica isso
aguardo um postal*6

Quem despediu-se de mim foi a ansiedade, as neuroses da contemporaneidade. Deixei que partisse. Sem ela vivo o ócio criativo e exilo de mim a velocidade da vida contemporânea, as metas e prazos a que o mundo está mergulhado. É isso que Samsa e considerável parcela de pessoas necessitam fazer.
Todos se calaram com suas taças de vinho matinal nas mãos.

*1 frase de Freud/ *2 frase de Paulo Bahia(poeta)/ *3 frase de Freud/ *4 frase de Franz Kafka/ *5 frase de Freud/ *6 poema de Paulo Bahia

Olá querido (a) leitor(a), você pode deixar aqui um comentário sobre o texto. Obrigada pela visita! Abraços-----------------------------------------------------------------------------------Maíra Bahia